Pesquisadora da PUC-SP alerta que o currículo escolar não pode continuar dissociado das novas possibilidades tecnológicas
Em entrevista para NOVA ESCOLA ,Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida, coordenadora e docente do Programa de Pós-Graduação em
Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
especialista no uso de novas tecnologias em Educação, formação docente e gestão
falou sobre os problemas na formação inicial e continuada dos professores para
o uso de TICs e de como integrá-las ao cotidiano escolar.
1. O que é o Webcurrículo?
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: É o currículo que se desenvolve por
meio das tecnologias digitais de informação e comunicação, especialmente
mediado pela internet. Uma forma de trabalhá-lo é informatizar o ensino ao
colocar o material didático na rede. Mas o webcurrículo vai além disso: ele
implica a incorporação das principais características desse meio digital no
desenvolvimento do currículo. Isto é, implica apropriar-se dessas tecnologias
em prol da interação, do trabalho colaborativo e do protagonismo entre todas as
pessoas para o desenvolvimento do currículo. É uma integração entre o que está
no documento prescrito e previsto com uma intencionalidade de propiciar o
aprendizado de conhecimentos científicos com base naquilo que o estudante já
traz de sua experiência. O webcurrículo está a favor do projeto pedagógico. Não
se trata mais do uso eventual da tecnologia, mas de uma forma integrada com as
atividades em sala de aula.
2. O uso das TICs facilita o interesse dos alunos pelos conteúdos?
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: Sim, pois estamos falando de diferentes
tecnologias digitais, portanto de novas linguagens, que fazem parte do
cotidiano dos alunos e das escolas. Esses estudantes já chegam com o pensamento
estruturado pela forma de representação propiciada pelas novas tecnologias.
Portanto, utilizá-las é se aproximar das gerações que hoje estão nos bancos das
escolas.
3. Como integrar efetivamente essas tecnologias ao currículo escolar e ao projeto pedagógico?
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: A primeira coisa é ter a tecnologia
disponível. É por isso que não se observam resultados tão favoráveis quando há
apenas um laboratório para toda a escola. A tecnologia tem de estar na sala de
aula, à mão no momento da necessidade. Pode ser um pequeno laboratório na sala
ou um computador por aluno. Não estou falando exclusivamente de computador, mas
de diversas tecnologias digitais
4. A ideia do computador como único acesso às TICs é ultrapassada?
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: Sem dúvida! Não que o laboratório não
deva existir. Ele precisa estar na escola, mas passa a ser ressignificado. O
laboratório é para uma atividade mais sofisticada, que exige recursos de uma
reconfiguração, digamos, mais pesada e atualizada. Essa tecnologia precisa
estar à mão para a produção de conhecimento dos alunos à medida que surja a
necessidade.
5. Os telefones celulares já são amplamente acessíveis e oferecem muitas possibilidades didáticas - o trabalho com fotos, filmagem, mensagens e mesmo com a internet , mas na maioria das escolas prefere proibi-los . Não é uma atitude retrógrada?
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: Vetar o uso não adianta nada porque o
aluno vai levar e utilizar ali, embaixo da carteira. É preciso criar
estratégias para que os celulares sejam incorporados, pois oferecem vários
recursos e não custam nada à escola. A proibição só incentiva o uso escondido e
a desatenção na dinâmica da aula. Geralmente os estudantes, inclusive de
escolas públicas, têm celular e o levam a todos os lugares. Ele é o instrumento
mais usado pela população brasileira. Basta olhar as estatísticas. O que o
webcurrículo prevê é o uso integrado da tecnologia. Os alunos, com seu celular,
podem fazer o registro daquilo que encontram numa pesquisa de campo. Podem
trabalhar textos e fotos e preparar pequenos documentários em vídeo. Isso
precisa estar integrado ao conteúdo.
6. E como enfrentar as questões éticas e desenvolver uma postura crítica em relação a essas mídias?
Maria Elizabeth Bianconcini
de Almeida: Da mesma forma que nos preocupamos com essas questões em todos os
campos. A tecnologia não é uma exceção, até porque ela potencializa o trabalho
com diversas mídias, com imagens e textos. Ela facilita a cópia, o plágio. Mas
não que isso não existisse antes. O bom é que, assim como simplifica a fraude,
também facilita a detecção. E o que nos cabe como educadores? Cabe ajudar o
aluno a entender o que é ético para que ele possa se pautar por uma conduta
adequada aos dias de hoje, mas baseado em princípios que sempre existiram. A
única novidade é o meio.
7. O que é preciso para que a tecnologia seja integrada ao currículo?
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: O currículo da sala de aula não é
apenas o prescrito. Ele se desenvolve do que emerge das experiências de alunos
e professores, do diálogo entre eles. Nesse sentido, o uso das TICs pode auxiliar
muito porque, quando é desenvolvido um currículo mediatizado, é feito o
registro dos processos e com essa base é possível identificar qual foi o avanço
do aluno, quais as suas dificuldades e como intervir para ajudá-lo. Isso é
pouco aproveitado ainda
8. Uma pesquisa de 2009 da Fundação Victor Civita ( FVC) mostrou que 72% dos entrevistados não se sentem seguros em utilizar computadores na escola. A graduação não forma professores para lidar com a tecnologia?
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: Não, a formação inicial não está dando
conta disso. Temos vários estudos em que o professor reconhece que a tecnologia
é importante e ele quer utilizá-la. Mas não é apenas porque tem pouco domínio
que não a emprega. Para integrar as tecnologias, é preciso deter tanto o
domínio instrumental como o conteúdo que deve ser trabalhado, as próprias
concepções de currículo e as estratégias de aprendizagem. Tudo isso precisa ser
integrado numa formação que alguns especialistas já chamam de "nova
pedagogia"
9. Há algum trabalho de formação para as TICs sendo feito hoje no país?
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: Tem havido muitos programas públicos de
formação continuada, entretanto há uma rotatividade enorme dos professores e
isso se perde. Precisamos investir na ampliação do acesso às tecnologias e,
principalmente, nessa formação.
10. O que devem contemplar os cursos de formação de professores? Especialistas dizem que eles devem tratar de atividades ligadas aos conteúdos...
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: Não se pode separar forma de conteúdo.
É preciso integrar o conteúdo à tecnologia, às estratégias de aprendizagem e às
de ensino. Tudo isso precisa ser relacionado e analisado pelo professor. Mas é
preciso cuidar da gestão desses programas de formação e principalmente da
mediação pedagógica que ocorre nessa formação. Tanto as universidades públicas
como as privadas precisam trabalhar com a realidade da sala de aula e estar
comprometidas com a reflexão sobre a prática
11. É possível para a escola acompanhar o ritmo de avanço das tecnologias?
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: Não é necessário que isso ocorra. O
importante é que o professor tenha oportunidade de reconhecer as
potencialidades pedagógicas das TICs e aí assim incorporá-las à sua prática.
Nem todas as tecnologias que surgirem terão potencial. Outras inicialmente
podem não ter, mas depois o quadro muda. Primeiro, é preciso utilizar para si
próprio para depois pensar sobre a prática pedagógica e as contribuições que as
TICs podem trazer aos processos de aprendizagem. Daí a importância dos
programas de formação.
12. A ideia de um professor diante de um quadro falando para 30 alunos sentados, ouvindo e anotando em seu caderno tem futuro?
Maria Elizabeth
Bianconcini de Almeida: É uma coisa relativizada e não será
abandonada. O professor detém um conhecimento científico maior e é
absolutamente normal que ele exponha uma aula. Só que isso não pode ser um
monólogo nem imperar o tempo inteiro. É fundamental que diferentes dinâmicas
ocorram em sala de acordo com o projeto pedagógico.
Texto: Elisângela Fernandes
* A entrevista na intergra encontra-se:
http://educarparacrescer.abril.com.br/gestao-escolar/tecnologia-na-escola-618016.shtml
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